O início da jornada da sexualidade vem da descoberta dos nossos gostos e desejos. Somos como sementes plantadas em solo fértil, prontas para crescer e florescer.
Gosto tanto desse pensamento e, coincidentemente, quando escrevi este texto, ainda não havia lido o livro da Educadora Sexual Emily Nagoski: A Revolução do Prazer. E, no livro, ela usa várias vezes metáforas com jardins para falar da sexualidade.
A sexualidade começa na infância, na nossa percepção do que está ao nosso redor, as coisas que a gente gosta de fazer. Eu, por exemplo, era uma criança comunicativa. Adorava brincar de teatro, inventar histórias. Sabe a criança aparecida? Euzinha.
Essa criança aparecida e comunicativa hoje é uma mulher aparecida e comunicativa.
Nesse início, também é possível perceber coisas que a gente não gosta. As relações de amizade que a gente começa a estabelecer alguns limites, se impor de alguma forma quando percebe algo que não é tão legal.
À medida que crescemos, essa jornada vai se tornando mais consciente. Aprendemos a linguagem do nosso corpo, identificando áreas de sensibilidade e prazer, ao mesmo tempo em que estabelecemos os primeiros contornos dos nossos próprios limites.
É o autoconhecimento que abre as portas para essa descoberta. Muitas pessoas têm dificuldades em se tocar e até mesmo em se olhar no espelho. É isso que permite que a gente descubra no nosso corpo os locais de prazer, os limites que você não quer ultrapassar, e as curiosidades que você quer explorar.
Hoje eu trabalho com sexualidade e descomplicando tabus, mas nem sempre foi assim. A primeira vez que usei um vibrador por exemplo foi aos 25, e foi ali um ponto de virada pra mim que decidi até espalhar a palavra. Mas, para muitas, a masturbação e esse processo de se conhecer é muito difícil e recheado de culpa.
E, bom, aqui fazemos uma diferenciação das jornadas.
Para pessoas com vulva, esse processo é um pouco mais difícil, não só pelos tabus, mas principalmente porque a ciência é muito atrasada quando se trata de anatomia feminina.
Até Freud no século XIX falava que mulheres que tinham orgasmos pelo clitóris eram imaturas, tese que foi refutada já no início do século XX, mas até hoje nos falta mais informações sobre a nossa anatomia e especificamente sobre o clitóris, um órgão que é o único do corpo humano exclusivo pro prazer. E, tem mais, ao contrário do que Freud dizia, não existe diferenciação dos orgasmos. Para pessoas que têm vulva, todos os orgasmos são clitorianos.
Nos atlas de ciência e medicina, o clitóris aparecia numa edição e sumia das páginas décadas depois. Em seguida, redescobriram esse órgão exclusivo para o prazer no corpo feminino, mas não iam muito à fundo – literalmente. A descoberta do clitóris, em sua anatomia completa, com bulbos, pilares e glande, devemos à urologista australiana Helen O’Connell. Ela o descreveu há 20 ANOS! Vocês tem noção que nós já sabíamos o genoma humano completo, mas ainda não sabíamos a anatomia do clitóris? Que é simplesmente O ÓRGÃO DO PRAZER FEMININO?
E, até hoje, tem muita gente que não o conhece, que nunca o tocou e nem sabe direito como funciona. E toda essa história desde Freud impacta até hoje a vida de muitas mulheres. A pressão para chegar ao orgasmo na penetração é um absurdo, considerando que é na glande do clitóris onde está a maior sensibilidade.
O que quero dizer aqui é o seguinte: como o início da jornada da sexualidade pode acontecer de uma forma saudável, se até hoje percorremos e temos que lidar com a falta de conhecimento sobre o nosso próprio corpo? E isso não é uma culpa individual, mas de uma sociedade que por anos sempre preferiu deixar o assunto de lado.
E aí, chegamos ao meio da jornada, pulando essa etapa tão importante.
No meio? O meio que é também as relações que a gente estabelece, mas também como somos influenciados por tudo que está ao nosso redor.
O meio, que na verdade é o meio que a gente se relaciona e como somos atingidos por ele, e hoje tão influenciado pelas redes sociais, bombardeio de informações por todo lado, as pressões da sociedade e até a ansiedade que é convidada pra dentro das relações sexuais. Ele é como lidamos com as relações, como conseguimos nos conectar, explorar a sexualidade.
Eu sou uma pessoa criada e crescida dentro do universo católico. Até freira eu quis ser na adolescência. E, para mim, esse meio da religião foi e é um lugar de muita influência para como eu vivo a minha sexualidade. A culpa, o medo, o não saber se estou fazendo algo de errado ou não, fazem parte da minha trajetória.
O meio pode ser um terreno fértil para o crescimento ou um obstáculo a ser superado. Recebemos influências positivas, mas também temos a autocrítica, a ansiedade, a vergonha sexual.
E como lidamos com isso?
Hoje, vejo muitos apelos e pessoas buscando orgasmos em todas as relações. E não me entendam mal, gozar é sim uma delícia. Mas essa busca tem trazido uma ansiedade pra dentro das relações e o prazer está ficando de lado. As pessoas já começam o sexo pensando: “será que vou demorar muito”, “preciso gozar rápido pra ele não cansar” e não tem como dizer que esse tipo pensamento vai proporcionar uma relação prazerosa, não é mesmo? E isso serve também pra pressão da pessoa que está com ela: “e aí, já gozou?”
E, bom, vou contar pra vocês que nem toda relação prazerosa termina com um orgasmo, e nem todo orgasmo significa que foi prazeroso.
A todo momento vemos chamadas do tipo “você precisa ter orgasmos múltiplos” “maneiras de gozar na penetração”, “a moda agora é a não monogamia”, “você precisa fazer isso se quer ser boa de cama”...
Estamos falando mais de prazer e sexualidade e isso é sim um avanço, mas por outro lado essas mensagens nos colocam de um lugar de ansiedade e muitas vezes de inadequação. Como se tivéssemos que cumprir um roteiro.
Estamos conseguindo filtrar o que recebemos no nosso meio para que a gente consiga colher bons frutos no fim dessa jornada?
Chegamos no momento da colheita, o que a gente tira dessa trajetória?
Tá sendo produtivo? Saudável? Prazeroso?
Uma pesquisa da Califórnia nos traz o GAP que é a lacuna do orgasmo em que as mulheres heterossexuais gozam menos, e sabe quem tem mais orgasmos? Os homens. A conta não fecha. Já que quem tá no topo dessa pirâmide se relaciona com quem tá na base.
O autoconhecimento, as influências externas que recebemos nessa jornada, todas influenciam em como chegamos a esse fim. A falta de educação sexual e a busca para se adequar aos parâmetros que a sociedade impõe nos traz esse tipo de resultado.
O que você consegue perceber hoje na sua jornada da sua própria sexualidade? Você tem se cobrado dentro das relações? Ou está de fato sendo prazeroso e podendo ser e desejar o que você quer?
Você consegue filtrar o que chegou pra você de informação para decidir o que faz sentido?
Será que estamos vivendo uma fase de mais liberdade sexual ou estamos ainda mais perdidos com tanta desinformação a todo tempo?
Com Educação Sexual e conhecimento, podemos cultivar uma vivência sexual mais consciente e saudável.
